segunda-feira, 30 de abril de 2007

Amor Urbano

A luz do semáforo ficou vermelha, atravessamos a rua de mãos dadas. Havia alguma coisa de flor no ar. Ipoméias e cravos e cigarros. Nos meus cabelos ou nos seus.
Hoje, a luz do semáforo ficou verde e atravessei a rua (sozinha), quase um desastre. Ando tão alienada... Tenho dançado mais, cantado mais alto. Tenho até mesmo vontade de fazê-los na rua e ao telefone. Talvez porque não tenha dançado o suficiente com você, não tenha ouvido o suficiente nem mesmo saiba dos seus sonhos. Quais são seus sonhos? Conta, conta agora o que você sonha quando acorda sorrindo.

Ontem, antes de ler o que você escreveu no jornal, queria eu mesma escrever um poema pra você. Preparei papel, caneta e alma. Se foi preciso? Claro que sim! Depois de tanta dúvida e tanta covardia a alma também carecia de preparos. O papel molhou com a chuva e caneta a manchar tudo. E compreendi que era tarde demais. Será?
Ontem mesmo, depois de ler o que você escreveu no jornal, senti que estamos tão distantes... Senti pela milésima vez estar atrasada, estar do avesso do sentido do teu endereço. Cheguei, então, a querer me ver livre de ti, cheguei a pedir que cessasse o desejo pela tua boca lisa e dura, por esse amor cheio de devaneios e floreios e portões. E depois, de súbito, gritei: Mentira! Mentira! Mentira!

E essa ânsia que não pára. A mesma ânsia que dá na boca do estômago a descer serra.
Calo a boca de uma vez e digo por último: queria apenas fazer uma declaração de amor. E pedir para que você não se assuste, é só que às vezes me lembro de você com tanto carinho... Mas no fim chega a ser pateticamente romântica essa carta.

Ando perdida e já são quatro horas (segui uma borboleta no ar parando os olhos no relógio da catedral). Senti-me atada, por esse amor calado a um amor alado de prazer contido.

6 comentários:

Elka Waideman disse...

“Corre, corre. O número de telefone dissolvendo-se em tinta na palma da mão suada. Ah, no fim destes dias crispados de início de primavera, entre os engarrafamentos de trânsito, as pessoas enlouquecidas e a paranóia à solta pela cidade, no fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelos na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos eletrônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva pra Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo qu está tudo bem, tudo, tudo bem.”
Caio Fernando Abreu - Ovelhas Negras

Anônimo disse...

=O




fica assim...e fica Rafa. Rafael soa tão estranho O.o

Anônimo disse...

Lindo! Queria uma dessa pra mim, kkkk!

Beijo beijoooo!

Ah!, engraçado: onde eu achei mesmo q vc não mexeria, foi realmente onde não mexeu! =)

Anônimo disse...

Elka, interessante que tenha colocado um texto do Caio Fernando Abreu logo após o seu. Se não pusesse, eu iria perguntar. Do "Pequenas Epifanias", vem logo à cabeça o "Carta Anônima". Eu imagino que a maioria de nós que se envolve com escrita e leitura tenha já se aventurado a escrever (ou reproduzir estilisticamentes) uma carta de amor, falando do nosso amor (claro, aqui temos que esse amor pode nem ser nosso de verdade, ou que o inventamos, ou que mentimos descaradamente, mas isso não importa). Senão quando incitados pelo Fernando Pessoa ("todas as cartas de amor são ridículas). Mas, o que queria dizer é: gosto do "Carta Anônima" do Caio. Gostei de escrever a minha carta de amor, e gostei da sua de agora. Mas, todos nós corremos o risco de entrarmos num lugarzão comum, porque o tema, a abordagem, a estrutura são difíceis de suplentar. Então, pequenas coisas fazem a diferença, e dão o toque especial de cada um, como se fossem os nossos rostos, como por exemplo no seu lindo trecho: " Senti pela milésima vez estar atrasada, estar do avesso do sentido do teu endereço(...)".
Ah, outra coisa, não entendi bem a continuidade dessa frase: "Talvez porque não tenha dançado o suficiente com você, não tenha ouvido o suficiente nem mesmo saiba dos seus sonhos(...)".
Perdoe-me pela redação, me empolguei.
beijo

Elka Waideman disse...

Ju, perdoadíssimo! rsrs
a frase "Talvez porque não tenha dançado o suficiente com você, não tenha ouvido o suficiente nem mesmo saiba dos seus sonhos(...)" diz que dançou com a pessoa, mas não dançou o suficiente para cessar o desejo de dançar, nem a ouviu o suficiente para entende-la e nem mesmo sabe dos sonhos que ela tem, não a conheceu de verdade. será que consegui explicar agora? é difícil, porque para quem escreve algumas coisas parecem óbvias. rsrs
Caio Fernando Abreu é uma inspiração para mim, gosto muito dos textos dele e vou ler o que você comentou.
Essa carta de amor foi uma escrita muito longa, escrevi uns quinze poemas e quase joguei todos no lixo... então recortei as expressões que havia gostado (essa que disse que gostou é uma delas) e escrevi uma carta.
no fim, eu tbm disse bastante rsrs
abraço!

Anônimo disse...

diga mais! sempre mais.
gosto de te "ouvir"... ainda mais com o caio de surpresa.

beijo com carinho!