quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Avante e acima!

Quando saímos de casa

Não é o endereço que muda
É a direção

É quando nossos pais param de olhar para baixo
E passam a olhar para os lados pra nos ver
Às vezes nos procuram acima...
Nem sempre encontram:
Somos jovens ainda

Mas já tenho lá meu metro e oitenta...

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Uma flor no teu colchão

Pintei na cartolina uma rosa
Uma rosa toda vermelhinha
com cabinho e folha verdes
Fiz sombra nas pétalas
e nervuras na folha

Ao lado da flor
escrevi parte da nossa música
Aquela que conta dos cabelos:
o teu comprido, o meu vermelho
Que diz do desejo:
você em minha cama, eu no teu medo

Fiz o fundo em prata
Coloquei aspas e reticências
Recortei com calma as bordas arredondadas
E foi na parede, com durex
acima do lado que é seu na cama
(nessa que nunca me possuiu)
que o coloquei

Está lá, dizendo de nós
Contando da tua falta

Plantei uma flor
da cor dos meus cabelos
no teu colchão

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A mesma Castelo

Do seu dia a dia
Quero saber o que mudou
Das flores
Se o cheiro é diferente
Dos medos
Se eles andam mais presentes

Quero saber o que do seu dia ficou melhor
O que da noite ficou pior
Se dizem que seus olhos brilham
Se indagam onde viu um passarinho

Se suas manias cessaram
Se suas vontades cresceram
Quero mesmo saber o que ficou o mesmo

Porque meu dia anda mais cartoon
Meus passos mais longos
Minhas palavras mais calmas
E menos rudes com os pobres de alma

Minhas mãos andam faceiras
Meus pés dormentes e cansados
Meu sono invadido
Meu corpo bonito

Dos meus desejos
Um só
Da minha casa
Sua ausência
Dessa estrada
A demência

Só quero saber do seu dia a dia
Pra ter certeza que essa loucura não é só minha.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Nesse samba

Meu samba é ritmado:
segue lento para te encantar
segue o pandeiro para te chamar
entra a cuíca para eu rebolar
bate o tambor pra teu peito reclamar
entra a voz, enfim, para te contar
que se eu danço assim
é só pra te fazer sambar.

domingo, 10 de agosto de 2008

Lua cheia

Eu sou a lua
E você o mar
E nas minhas rotações
Te levo comigo
E te deixo tontinho, tontinho.

sábado, 9 de agosto de 2008

Querer

Quero dormir observada.
Quero fechar meus olhos tendo a certeza de que os teus seguem o caminho das suas mãos.
Quero mais uma vez a ponta dos dedos leves deslizando pela curva da minha pélvis.
Tua palma comprimindo minha lombar. Que sempre sabes, não sei como, ao doer.
Quero, antes de dormir, tua boca desesperada pelo meu ombro, me fazendo soltar um largo suspiro. E tua velha mania de perguntar “que foi?”. E meu jeito dissimulado de responder “nada”. E não era nada... mas te sinto curioso e gosto de te deixar assim.
Quero estar exausta para dormir. Que a chuva está forte lá fora e a cada trovão se vai um pouco do sono. Traz a solidão.
Quero nossa exaustão. Você descansando em meu peito e teu suor vazando pelas minhas laterais. E o leve arrepio que segue as gotas mornas...
Essa noite sou repleta de quereres. Desejo que me mata a fome.
Quero mais uma vez estar exausta do gozo. E dormir observada.
Não posso mais suspirar sem você me ouvir.
Deita aqui atrás de mim. Ama como sempre amou. E me olha.

sábado, 28 de junho de 2008

Dezenove ao forno

E é dia de meus anos
Deixo a janela aberta
Para o calor e o sol
Que o carinho doce de quem amo
Trouxe até aqui

Hoje o dia amanheceu quente
E o sol veio trazer conforto
A casa ainda é só
De outros dias frios
Que não hoje

Ardo de saudade e amor
E até a lágrima é quente

No forno vou botar um bolo
E uma torta com queijo
Pra juntar os pequenos amigos
Que por aqui encontrei

Ainda não é verdadeiro
Nem mesmo há cumplicidade
Mas se o dia florescer,
É por tudo o resto que vivemos
E aos poucos as almas se cruzam

Ainda tem saudade
Mas a lágrima é quente

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Estar em casa

Estar em casa é voltar a tudo
Voltar ao quarto antigo que guarda tudo
É saber onde fica tudo na cidade
E poder chegar até lá sem me perder mais de três vezes.

É saberem da tua história
E dizer aos amigos da falta
E contar o dia que não viram
Ouvir o dia que não viveu.

Ter inveja de algumas idas
Ter mais inveja dos que vieram
Sem você estar
Dos que abraçaram
Sem você estar
Dos que encontraram novos amores
Sem você cantar.

É também matar a saudade
Das bobagens do dia a dia
Das flores do jardim
Da gata pedindo comida.

É descobrir um tapete novo
Um pinheiro quase morto
Um pinheiro renascendo
A grama crescendo.

É ficar a pensar
Na hora de ir embora
De achar a plataforma
E dizer tchau
Sem querer dizer
Sem querer dizer
Sem querer dizer

Sem querer saber
Que a vida lá também é boa
Que a saudade também é boa
E pra entender
(sem precisar dizer)
Que um dia
Eu vou de vez
Mas não desta vez

Show

E fomos vê-la cantar
E voltamos todos tão lotados, que mal cabíamos no carro
E eu cheia de tudo o que existe
Entre o céu e o mar.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Uma mulher de artista

Botar o pé em casa escorrendo toda
Escorrendo a chuva pelo corpo
Escorrendo a roupa
Os cabelos murchos
A lágrima que pude chorar
Sem ninguém saber

O coração não escorreu
Congelou em branco antes de chegar em casa
E aos poucos, com a vitrola, o chá, o incenso
Ele volta a amolecer
E a lágrima volta a escorrer

São tanto os motivos pra chorar...
É a morte da menina
É a outra menina
A ansiedade
A maldade
A vontade

E já com o calor nas entranhas
Sem saber que ainda corro perigo
Te ligo pra saber por onde andas
E digo, sem medo nem castigo:
- Já sei de tuas Marianas!
- Já sei dos teus ídolos!

E por ter tido tal coragem
Choro mais um pouquinho
Mas esse choro todo mundo vê
Está aqui, estampado e vivo.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Licença

Peço licença pra dizer meu coração, que anda pra lá de apertado... Fica estranho bem no meio do peito e não há coisa bonita que o faça desarrochar. Pra dizer a verdade - e se você quiser saber - são as coisas bonitas que têm me doído mais. E vivo a procurá-las.
Ele acelera e pára. Pára mesmo, nem doutor poderia escutar. De repente aperta tão forte que parece até maldade. E quando assim fica o peito, os olhos ficam salgados e a garganta, até lá no fundo, fica amarrada.
E é hoje mesmo que vou melhorar. Pego minhas mãos na gaveta do criado-mudo e vou caçar um sabiá. Peço pra ele, bonito que é, me ensinar a cantar.
Assim na hora que o coração encravar, começo logo a melodia. Pra ver se ensino melhor o peito que quando a dor aperta, é só cantando que se pode voar.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

A volta da musa

Em meu mundo
tu perdeste a coroa
Em teu reino
eu achei as palavras
achei o calor na noite da Nova Cidade
achei o silêncio do teu olhar
tua timidez
e minha falta de jeito.

Conheceste meu passado
sem nem querer
e ganhaste meu futuro num pedido
ganhaste minhas mãos num desejo
e teu império
em minha cama.

A despedida foi um sonho
do qual ainda não acordei
No outro sonho:
nossa fome
nossa sede
teu ar
meu ventre.

domingo, 23 de março de 2008

Nova Cidade

Cohab - Vila Paulista
Lotado
Eu em pé
o velhinho sentado
(com minha mochila nos braços)

É nesse sobe e desce
encontrões e mãos suadas
que conheço a cidade

Olho as novas pessoas
vejo as novas lojas
- qual essa rua, moço?
(achei o chaveiro)

E a cidade passa
Eu em pé, lotada.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Incenso

É por estar tão longe
que esse amor não cabe em mim
É por estar tão lindo
que racho ou me incho
a sentir sempre o teu perfume por aqui

É tão ébrio

que a loucura nem se aproxima
E tão sóbrio
que o caminho é linha reta
pelos castelos brancos

com fadas e borboletas
e mágicas entre cadernetas

preenchidas em bar
com cantos em rosa
à caneta
à saliva
a contar sua vida
que devagar
em enxurrada de mirra
envolve
minha vida.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Banho-maria

Hoje peguei minha velha pena
Mas a alma não quis escorrer
vazava toda pelos olhos, salina
Não sobrou uma gota à tinta

Não é preciso dissolver a alma
pra falar de poesia
Mas é preciso tê-la em banho-maria para sentir

Conte-me, querido:
- quanto chorou hoje?
Assim eu saberei o quanto de você ainda me resta
Assim escolherei entre
o amor, a morte, a ilusão
a dor, o corte, o coração.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Na curva

As pessoas têm medo de falar da morte
Como se a maldita ouvisse e desse de segui-las pelas curvas
Elas têm mais medo da encapuzada tocar naqueles que amam do que em si mesmos

Temi com insônia a morte de um amor

Quem nessa estrada acredita que a morte é escuridão?
Quem nessa saída acredita que a morte é o fim?
Quem nessa casa sabe ou tem idéia de, pelo menos, quem morreu?
Quem morreu, minha mãe?

Quero vomitar a morte.