quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Três maciezas

E continuei sentada escrevendo.
Comecei a sentir um cheiro bom
Cheiro das tortas de Monteiro Lobato
Com fruta do pé
Cheiro doce e pequeno
Simples e macio.
E continuei sentada escrevendo.

Foi depois de um momento ou dez
Ao me colocar na pose de pensar
E deixar a cabeça comtudodentro posar nas mãos
Que senti
Bem na maçã do rosto
O macio do cheiro nos dedos

Ele é feito de três coisas:
Dois lábios
Um batom
Uma mãe que saiu pra trabalhar.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Birra de criança

Conheço esse cansaço
É aquele me chega daqui meia hora
É aquele que dá vontade de abandonar:
A caneta
Os braços
As pálpebras.

É aquele que dá em criança
Que esfrega os olhos
Pra mostrar o sono
Fazendo birra

É a criança estúpida de mim
E acho que ela:
Não gosta de química
Quando nela passa horas
Não gosta tanto assim de ler
Quando saem os livros
E entram as fórmulas.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Alma diluída

Essa chuva que derrete tudo

Derrete o olho no rosto
que desce a tarde a olhar

Derrete o coração dos amantes
que sem piqueniques e bicicletas
não podem se encontrar

Nunca me acostumei com água caindo do céu
E nunca ninguém entendeu essa minha estranheza
- Eu acho que minhas palavras também liquefazem-se

E os sonhos derretidos
(a parar no sofá
e pensar no estar-aqui)
se tornam assim
mais maleáveis
mais possíveis

Tornam-se quase reais
se as gotas caem
como saliva tua
nos meus vãos
ou preenchem
o vazio das minhas mãos

E amanhã
ao sol nascente
ao calor crescente
a água ascendente
tudo vai se evaporar

E apesar desse modo
caber em todos os cantos,
os sonhos só parecerão me escapar
e gasosos ficarão meus encantos
e mais limpo ficará meu olhar.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Dias

Há dias que sou nula
Não amo ninguém
Deixo todos morrerem se dependerem de mim

E há dias que morreria por tantos
Que muito me querem mal
Morreria por poucos se preciso fosse
Morreria por algum deus

Hoje sou ímpar
E amo você
Minha mãe e meus irmãos
Minha gata
O menino que me ajudou a catar as coisas do estojo no pátio
E o sol
Nem deus nenhum nem a vida
Hoje eu não mataria.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Lençol amargo

Quando não devias dizê-las, pressa demais: dito.
Quando não devias fazê-las, raiva demais: feito.

Explica-me então, enquanto faço o arroz.
Mas não me resta paciência para ouvir mentiras. As mentiras têm estragado a comida com seu tempero amargo. Já bastam os pernilongos que zunindo vão nos lembrando, antes de nos deixar dormir, o que nos falta fazer para sermos felizes. E é no meio do zum-zum-zum que te lembro de pagar as contas. Que me lembras de depilar as pernas, que tanto te incomodam nesse nosso lençol de cetim, e dizer para o poeta que ele estava errado quanto ao amor.
(e te olho de novo)

Ele estaria certo?
Quando se está certo ainda é arrogância. É sim.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Monocromático

A mulher acordou cedo.
Nem sol nem frio.
Chuva quente de mormaço.
Coração molhado.
Estômago vazio.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Velhos noviços

Quando os vi juntos pela primeira vez
não eram jovens
Ainda os vejo e não estão mais jovens
E estão juntos
envelhecem juntos
Andam com o braço dela enfiado

no buraco do braço-barriga dele
Caminham devagar

Ele se irritam
Se adoram
Se divertem
E passam os anos
Passam os medos
Amassam as mãos, as juntas, a cara.

Ainda serão daqueles velhinhos que, juntos e devagar,
vão pela faixa comprar vitaminas na farmácia
Ainda serão o que não foram primeiro
(deles para outros e deles para eles mesmos)
Mas já se sabe
Pelos olhos
Pelos nomes
Por hoje e ontem
Que são felizes.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Nosso laço

O que você disse da minha poesia, fez dela meu caminho até você. Escreveria a sangue se acabasse a tinta.
Se o caminho fosse de pedra, nos versos teria a força.
E se o caminho fosse longo, eu gritaria as palavras.
Mas se se perdesse no caminho, se me perdesse na memória, eu perderia a palavra no tropel das idéias.
E sempre me faltaria um final.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Quase eu mesma

Nem todos entendem o que escrevo.
Lêem o que lêem.

É quase tudo tão intimista...
Quase todos os gostos e cheiros vividos.
Quase!

Não me confundam com a pena.
Não me confundam com a rima...

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Cheiro de poesia

Vamos para a esquerda, Carlos! E traga tua rosa.
Vamos pelo caminho livre de Cecília, despindo as mulheres de Picasso, calçando os sapatos para subir nos campos mais verdes e conhecer, enfim, aquele deus do guardador do rebanho, do pai, do menino.
Amanhã! Vamos amanhã!
Que hoje só tenho vontade e tempo de ser tua, boy!
Serei dama na noite. De luar abrirei o corpo e as páginas. O teu perfume me abrirá os poros e me trará de volta minhas palavras.
Então no dia seguinte, te deixo os ramos e vou!
Vou com teu perfume no corpo e a poesia na alma.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Boba e brilhante

Eu estava indo bem sem você
Agora é levantar e gritar
Sentar e chorar
Deitar e lembrar
E escrevendo aos calos

Eu estava indo lento sem você
Agora voltei a correr
Tropeçar
Doer
Topar o dedão
Quebrar a cabeça
E bater a cara nas portas sem abrir

Eu estava indo
Apenas indo sem você
Agora rumo
Agora sou mais feliz
Mais uma vez

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Plataforma 24

Frases doces para contar
E perguntas para saber mais
E ainda assim tão pouco...

Saudade farta e fatigada de idas
Uma vez no ponto Madalena (se não falho)
Outra na plataforma 24.

Senti que foi perfeito
Sem exageros!
Mas faltou sentir, mesmo que só ilusão
A eternidade...

Nem no tempo houve espaço pra nós...

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

TV desligada

Na minha TV desligada
Vejo refletidas
Deitada em minha cama
As flores judias da janela do quarto
E beija-flores a procura de sapatos

Às vezes, na sombra, vejo a gata negra
A procura de carinho

A guerra que se trava é a dos ramos que competem pela luz
As armas, os ferrões das abelhas zombeteiras

Através da TV desligada vejo o mundo
Mas um mundo inverso do mundo
Um que se passa
Apenas na janela do meu quarto
Não pela porta de saída
Nem pelos cabos e linhas

Um mundo tão meu quanto possa ser:
quase verde, quase frágil.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Para meu avô

A dor nasceu vermelha
Sangrou no peito
E nos olhos sangrava

A lágrima cristalina
Ardeu nas pálpebras
No rosto
No estômago
(não quero comer agora...)

Há pouco tempo que és José,
Foi mais tempo semente de cor.

Era Colorau
Casado com a Neg(r)a
Pai dos Amarelos
(um mais que os outros)
Avô das Brancas

Mais colorau agora que antes
Volta ao pó na terra
- Plantem uma rosa onde jaz José, será rosa do amor.

E o céu fica vermelho
Refletido nos meus olhos, agora vermelhos
- Sua veia que rompeu!
Verteu o vermelho do sangue
- Parou de bater o coração!
De natureza vermelho e lasso

Não é mais José
Nem de Drummond
Nem de nós.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A arte do tédio

Na aula de matemática me encontrei em outras páginas
- O caderno está sobre a cama, Tédio!

Quando acabam os risos e vão os amigos
- O doce está na geladeira, Tédio!

E vem esse
Que me pede receitas e pratos em linhas retas,
Escritos em linhas tortas,
Viagens em linhas impressas,
Melodias em linhas de viola.

É! O Tédio me proporciona a arte!
Tragam-me os escravos, gregos!

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Um hiato

Hoje quero, meu Deus,
Ou talvez mais precise
De beijos carinhosos
E um momento para dizer minhas breguices!

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Lã, linho e labareda

As mangas das blusas já estão esgarçadas, tortas, de tanto serem puxadas para cobrirem as mãos.
Não compro mais blusas sem bolsos. Nem calças.
Essa noite o termômetro registrou 8 graus e acordei ao meio-dia com as mãos suando dentro das luvas pretas de lã embaixo das cobertas, enroladas uma à outra e, ainda que suando, estavam frias. Estavam tão frias quanto nos últimos seis dias.
Quando não estão cobertas mostram cores pálidas: roxo, branco e rosa. As articulações doem e não consigo mexê-las como antes. Os dedos estralam a qualquer movimento e me sinto incapaz de fazer qualquer coisa minuciosa com toda essa rigidez. Os bordados, tricôs e a cozinha.
Elas amolecem e ficam coradas quando as coloco perto do fogo. Mas parece, ao mesmo tempo, que mil agulhas entram na pele até que os ossos sejam aquecidos. Estão tão desacostumadas ao calor...
Antes que eu não possa mais preparar-lhe o jantar, os doces, os cachecóis e tocar no violão sua musica preferida ou lhe alisar os cabelos. Antes delas esquecerem por completo seu calor, devem voltar a te tocar.
Prometo, elas não estarão frias então.



quinta-feira, 12 de julho de 2007

Romance Murdoch

Uma pedra em cima de cada página.
O encontro com as palavras
É como encontrar um grande
amor que não se vê há tempos:
Sabe que deve abraçá-lo e dizer que
Está lindo (porque sempre está)
mas não tem certeza se deve beijá-lo
Beijá-lo com avidez
Com o amor que é grande há tempos.
Depois, quando toca lábio e lábio,
página e lápis
Sente que deveria tê-lo feito antes.
Mas como poderia?
Encontrar as palavras
Encontrar o ardor
Um romance Iris Murdoch.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Meu menino

É menino que ama
É menino que canta,
rola, pula, senta e pensa –
- Acho que é hora de voltar para casa.

É menino negro, branco
É menino torto, direito
Duas crenças, duas irmãs
Uma mãe, dois primos.

Esse menino é meu filho
Que me aparece nos sonhos!

domingo, 1 de julho de 2007

Dezoito

Ganhei o jogo!
Três mil, quatro mil
doze mil quantias de ouro.
Ganhei a festa!
O bolo, as velas
e na testa
um beijo pra dizer
tudo o que se deve dizer
quando se faz dezoito anos.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Fartura

Meu avô construiu prateleiras
Minha avó encheu-as de comida
Minha mãe enfileirou os livros

Hoje estão todos curvados
O avô, o trabalho
A avó, a família
A mãe, sabedoria

E eu, que fico
Colhendo os frutos
E olhando as prateleiras
Que mesmo vazias
Continuam como todos
Curvadas de tantas vidas
(imagine quantas histórias, filosofias e jantares em família!)

Essa é minha fartura
Minha herança melhor:
Nas latas e vidros,
A falta de fome.
Na outra gula,
A sobra de linhas.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Volteio

Tentei escrever política,
calmaria e Marte.
Descrever solistas,
peças e tardes.
Brincar de palavras
Cantar de frases

Mas no fim,
escrevi sobre Vênus.
Descrevi nervos,
medos e partes

Cantei para você meus ensaios
de romance,
de coxias
nos intervalos.

- Vamos ao show!
Agora! À tarde! -
Luzes brancas no palco, por favor!

domingo, 17 de junho de 2007

Sinta

E um arrepio...
Sinto-o caminhar por entre meus pêlos, peles e ossos.
Teus músculos se contraem pela dúvida dos meus. E meus lábios ensaiam o que pensei sentir e o que poderia balbuciar em tua orelha mal formada.
Em teus olhos profundos desejaria soprar minha raiva. Em tuas mãos caçadoras queria fazer-te um jantar.
E tua fronte transpira, teu olhar se apaga, tua língua seca e teu corpo treme. E nada em mim é diferente do teu.
Você amaldiçoa meus seios enquanto eu contemplo os teus. E eu penso no futuro enquanto você esquece o teu. Aí você está no céu, e eu racionalizo o Paraíso.
Por tudo isso tocou-se notas rubis pelas lágrimas e sons ensolarados pelo fim.
Aí sim, trepidam, esfolam, racham, explodem. Pelo fim.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Insistência

Insisto nessa loucura de falar com as flores
E seres
De contar que fostes
E sereis
De dançar nos campos
E ceres
De fingir que sou
E só

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Acetona

Por não conseguir dizer-lhe, escrevo
(e só tanto por causa disso que tenho escrito)
Escrevo para contar que a minha boca seca
Seca como vidro de acetona aberto
Aberta sem dizer palavra
Palavras que já versei
Inversa aos teus retratos
(e só retratos)
Trato mal feito entre nós dois
Os dias que te senti
Sentir na boca e saborear
Sabor febril do teu medo de amante
Amante. Distante
Ditante da minha poesia.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Samba de um degrau só

Vou escrever um samba pra tocar com os amigos na escada da entrada da sua casa.
Quero depois conquistar, levantar e entrar pra tomar uma limonada.
Mas não sei fazer samba nem seu lugar no mapa.
Quem sabe, antes de aprender as partituras e o pandeiro, enfim descubra onde fica seu canto, seu paradeiro. E sente na escada só pra ver se cabe a batucada.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Cadê a enzima?

E afinal,
o que tanto quero aprender
que não tenho mais tempo para escrever?

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Burrico

Lá vai o burrico descendo a serra
Burrico empaca no caminho se ele é duro
Cinqüenta quilos de família e fome
- Burrico manda coice! Mandei avisar os homens.

Lá vai o burrico subindo a serra
Burrico leva o nordeste no lombo
E seu lombo à nordestina.
O retirante, a água e a esperança.
Ah, Burrico! Parece comigo quando manca.

Não entendo o porquê do diminuto.
Deveria ser, pelo menos, chamado estúpido.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Nascer

Na Rua Cecília tudo estava calmo e sereno como sempre. As corujas equilibradas nos postes davam o clima frio com seus ruídos de vôo. Os gatos sorrateiros andavam por cima dos muros e no cume das árvores e arbustos outros animais criavam a noite. Tudo calmo e sereno como sempre. Exceto por uma música harmoniosa que se iniciava em um ponto desconhecido do breu, mas que se dirigia à casa do Mestre Feiticeiro. Sua chegada àquele sobrado anunciava algo já muito esperado, e isso não era segredo, pois toda a natureza parou no instante em que a música pediu.
O ver da Lua estacionou no espírito da mulher de ventre barrigudo que agora adentrava como um sopro quente e aveludado no corpo da poetisa sem asas, que iluminada numa esquina apenas pela lua dum poste, se mostrava inteiramente nua.
O Feiticeiro chegou a tempo de envolvê-la e sob o olhar positivo do anjo tocador levou-a até a praça e deitou o corpo que se retorcia no colchão de grama.
No céu, algo que só ocorreria neste momento, o Sol e a Lua se uniram no manto azul para iluminar o nascimento.
Quando o Sol surgiu, os cabelos da poetisa se deram em fogo e se armaram ao redor da cabeça. A música do anjo nunca esteve tão intensa, misturando com o grito de dor e prazer que saía do corpo nu.
Por entre suas pernas abertas e as mãos do feiticeiro, acontecia o nascer. Ela pariu então, a união da música, do dia e da noite, da magia e da terra. Ela pariu o Teatro.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

O parque de diversões

Roda gigante que gira, gira
subindo e descendo sem parar.
Pega o menino, leva para cima
até ele se cansar.

Montanha russa que causa emoção.
Olha, que fila enorme
querendo agitar seu coração!

Carrossel de brinquedo
roda, roda bem ligeiro,
tem cavalinho, tem girafa,
tem de tudo... e não dá medo!

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Fim II

Quis sentir e não ter razão desta vez.
E fui embora
com meus anseios
e muita fome,
mais para o horizonte.

Ainda nos encontraremos nas ilhas do Pacífico!

Nas ilhas do Pacífico: montar em baleias azuis a discutir Simone de Beauvoir e a linha que colocamos no meio da nossa pintura.

sábado, 5 de maio de 2007

Meu valor

Lindos sapatos!
Linda testa e boas maneiras.
Lê Proust e Foucault.
Belo rosto e farta ceia.
Há quanto tempo minha mãe reza
para eu me casar
com moço assim trabalhador.
Ah! Mas não vou me apaixonar.
Ele combina as roupas, mamãe,
e as falas.
Ele mostra seus feitos orgulhoso
e reconta a prata!
Tem medo da morte e da vida.
Não sente fome nem sede
(nem fome de mim, nem sede de rede).

quinta-feira, 3 de maio de 2007

A quem chora ao ler

Todo dia me sai um pouco de poesia
(no papel, no dito ou na vida)
E digo o que tanto se passa
(no meu peito, meu leito): minha sina.

Todo dia me sai um pouco de lágrima.
Escapa um tanto dessa tristeza líquida,
Fica o resto dessa destreza sólida
Para se ler enfim, a beleza sádica.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Tabuleiro de dama

Prometi a mim mesma prometer a ti meu amor. Prometi também que seria eterno. Bobagem, eu sei. Prometi depois, com mais veemência e sucesso, não cumprir minha promessa.
Preciso assegurar a cada passo que não sei aonde vou. Marco o passo de gente chegando: vai embora e nos vemos amanhã! Vá embora e fica um pouco longe pra eu ver se sinto tua falta. Vá embora, mas volte. Volte porque sou carente. Volta e meia me volto e te beijo quente. E você se revolta e se perde. Perde para mim a luta. Lute comigo aqui. Quem sabe assim você ganha?
Beijo teu olho, olho teu corpo, molho teu molho. Vejo tua malícia e afago. E tenho um retalho de anatomias espelhadas. Retalho preto, ruivo, moreno, castanho e branco. Brando e quente, ainda quente. Formas e peles que coso com teus pêlos ainda quentes.
Percebo que me olha ternamente. Vejo amor em teus olhos mais uma vez e mais uma vez digo que cumprirei minha palavra. Acabou, acaba tudo. Frio. Acaba por dizer que é eterno. Não diga isso, nem aquilo dos teus olhos (tremo e não sei se é frio ou medo). Diga que vai embora. E depois volte, sem amor nos olhos. Promete para mim que volta! Volte com a alma vestida e o corpo nu.

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Amor Urbano

A luz do semáforo ficou vermelha, atravessamos a rua de mãos dadas. Havia alguma coisa de flor no ar. Ipoméias e cravos e cigarros. Nos meus cabelos ou nos seus.
Hoje, a luz do semáforo ficou verde e atravessei a rua (sozinha), quase um desastre. Ando tão alienada... Tenho dançado mais, cantado mais alto. Tenho até mesmo vontade de fazê-los na rua e ao telefone. Talvez porque não tenha dançado o suficiente com você, não tenha ouvido o suficiente nem mesmo saiba dos seus sonhos. Quais são seus sonhos? Conta, conta agora o que você sonha quando acorda sorrindo.

Ontem, antes de ler o que você escreveu no jornal, queria eu mesma escrever um poema pra você. Preparei papel, caneta e alma. Se foi preciso? Claro que sim! Depois de tanta dúvida e tanta covardia a alma também carecia de preparos. O papel molhou com a chuva e caneta a manchar tudo. E compreendi que era tarde demais. Será?
Ontem mesmo, depois de ler o que você escreveu no jornal, senti que estamos tão distantes... Senti pela milésima vez estar atrasada, estar do avesso do sentido do teu endereço. Cheguei, então, a querer me ver livre de ti, cheguei a pedir que cessasse o desejo pela tua boca lisa e dura, por esse amor cheio de devaneios e floreios e portões. E depois, de súbito, gritei: Mentira! Mentira! Mentira!

E essa ânsia que não pára. A mesma ânsia que dá na boca do estômago a descer serra.
Calo a boca de uma vez e digo por último: queria apenas fazer uma declaração de amor. E pedir para que você não se assuste, é só que às vezes me lembro de você com tanto carinho... Mas no fim chega a ser pateticamente romântica essa carta.

Ando perdida e já são quatro horas (segui uma borboleta no ar parando os olhos no relógio da catedral). Senti-me atada, por esse amor calado a um amor alado de prazer contido.

sábado, 28 de abril de 2007

Ato 1 - Cena 4 / Poetisa sem asas

O destino já é sabido? Tudo o que serei, pensarei, farei, já esta escrito? Se sim, desejaria virar uma página para ver se te encontro no futuro de minha vida. Nossa vida. Tua vida incrustada nessa terra. Nessa mesma terra os meus pés não queriam estar.Quero voar! Que voar de mãos dadas com você! Mas não tenho asas. Eu tenho dois pés fincados nessa terra gravitacional, mas não tenho nenhuma asa.Tem algum anjo aí? Um anjo que queira andar? Que queira trocar suas asas pelos meus pés. Meus dois pés. Troco meus dois pés por uma asa só.Mas continuo rastejando...


sexta-feira, 27 de abril de 2007

Poema pra minha mãe

Minha mãe tem um sorriso que ilumina seus olhos.
Minha mãe tem olhos que iluminam meu caminho.
E no meu caminho tem minha mãe, que sempre sorri e olha nos meus olhos, desde pequena, desde sempre...

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Minha Alma

No dia caiu uma gota de lágrima do céu.
No dia brotou uma gota de suor da terra.
No mesmo dia eu nasci.

Vai ver por isso minha alma é tão grande.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Verde pote de céu II

Olha o sorveeete!
Dois por um real, criançada!

Pamonhas, pamonhas, pamonhas.
O verdadeiro creme do milho verde.
Venha minha senhora, é uma delícia!
Pamonha e curau.

Passa a bicicleta, passa o carro,
Passa o tio, passa cachorro.
Cachorro, passa!

E depois ainda dizem,
Com pompas de capital,
Que a informação e as facilidades,
Não chegam nunca aqui.
Eita! Foi justo aqui que elas ficaram!

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Verde pote de céu

Toma sorvete e vai ao cinema.
Vê o céu de estrelas e as estrelas na tv.
Sobe a ladeira no meio da rua.
Sobe nas árvores e come lá mesmo.

É menina do interior!
Tem pé vermelho e pé de goiaba
Tem chinelo de corda e saia rodada.

Mas olha que pena!
Tanto verde e tanto doce e a esperança tão pequena!

sábado, 21 de abril de 2007

Outra

Hoje não confabulei nenhum plano. Não conheci ninguém. Não fui a lugar nenhum que já não tenha ido outras tantas e tantas vezes.
Não fui ninguém além de mim.
A única diferença entre hoje e nenhum outro dia foi uma ligação que recebi apenas. Telefone público. Ninguém disse nada.
Nem assim, pude fugir de mim. Eu sei quem era e você também imagina, não é? Mas eu não disse seu nome. Simplesmente para não deixar de ser eu mesma.
Teria que ser outra, outra que não santa e não puta. Outra.
E não faria sentido nenhum.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Substantivo abstrato

A poesia é inútil?
Sim, tanto quanto o amor, o sonho e a mentira.
Tornando essa vida mais bonita,
E um tanto quanto mais vadia.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Meio-dia e meia

Como é bom chegar em casa
Com as sardas explodindo
Com os cabelos quentes do sol e mais vermelhos
Com ânsia de tirar os sapatos e sujar os pés
E sentir o cheirinho do feijão.
Reconhecer no olfato o que vai ter de almoço
E poder falar comigo mesma em voz alta.
Como é bom! Como é bom! Como é bom!

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Cobertor de chão

Tudo que sei do meu futuro é que haverá medo.

Não se engane que só tenho covardia ou solidão.
De covardia, só os pés. De solidão, só as mãos.
O corpo é tudo e nada. É amor e ódio. É fogo e água.
Componho-me, descomponho-me.

Do futuro espero muito, do presente quero pouco, do passado, esquecimento.
Do que virá, nada mais simples do que ser diferente.
Do que já foi, nada mais diferente do que tornar simples.
Espero-me, desespero-me.

Algo mais cobrirá minhas mãos e pés. Algo a mais que o medo:
Livros, amores, olhares e sóis e filhos e luares.
E no fim, algo a mais cobrirá meu corpo.
Cobrindo-me, descobrindo-me.

Não é medo. Não é só medo. É só isso que sei do meu futuro.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Borboletas

Desde pequena, todos diziam, ela tinha essa mania de pegar borboletas. Queria vê-las, queria que elas pousassem na sua mão e ficava extasiada quando isso acontecia.
Se sumia, todos procuravam nos jardins mais próximos. E lá estava ela, sentada com a grama no pescoço a olhar os bichinhos. Ficava bonita.
Quando descobriu a câmera fotográfica começou a registrá-las o que era muito mais difícil na época que não tínhamos câmeras digitais porque ela perdia as fotos, ou simplesmente não ficavam boas.
Daqueles tempos pra cá, a garotinha cresceu e a cada ano descobria coisas novas e mesmo assim nunca deixava de gostar das borboletas. Sentia que elas eram mais livres do que ela e que um dia poderia ensiná-la essa liberdade. Sabia, antes mesmo de ter a capacidade para a escrita que aquelas asas serviriam para muitas metáforas na sua vida.
Acredito que de certa forma, a liberdade for conquistada e que de outras formas, as cores foram ensinadas. Porque não teria outra explicação para tanta mudança e tanto sorriso no rosto daquela menina.
Ela compara pessoas com animais até hoje -outra brincadeira muito comum quando pequena- e aquelas que se parecem com borboletas são sempre as mais bonitas. É engraçado como algumas coincidências sempre acontecem.
Continua conversando com as borboletas e a fotografá-las também. Ela acredita que assim pode ensinar aos outros, o que ela própria aprendeu.
Tantas borboletas que passam. Algumas borboletas que ficam.



“... e viver, fazendo esculpir com sangue, os contornos de uma borboleta...”
[infelizmente não me lembro o autor]

Alcoólica


Nasci com um vício:
beber da noite em grandes goles de vida...

Morrerei de um vício:
beber da vida em grandes goles de noite...

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Às margaridas









Conte as margaridas!
Vá ao jardim e conte às margaridas!
Quem sabe elas te respondam e te contem tudo e todo.
Te digam alguns segredos da vida
E quantas são as suas caras malditas!

domingo, 15 de abril de 2007

Realidade

- Vamos logo!
Ela sabia o que estava sentindo, era medo, e sabia também que não desejava ir, mas nada fazia para impedi-lo, nada podia fazer.
Ele, tateava os cantos e curvas com uma bengala de vidro, e a conduzia para dentro da livraria. Ali havia poucas pessoas e nenhuma parecia perceber ambos. Ela sentia seu desespero aumentando gradualmente, mas por fora, sua lividez era acolhedora, não mandava mais em nenhum músculo, nem conseguia pensar no que fazer na presença daquele Homem.
O ambiente da livraria mudava aos poucos de claro e inspirador para algo sinistro e escuro. Num gesto lento, porém seguro, o Homem levantou um tapete vermelho e em seguida abriu uma porta pequena, de carvalho, com fechaduras muito antigas. Com um gesto único induziu-a a descer a frágil escada que mal se percebia.
Quando finalmente os dois estavam debaixo da livraria ela pôde enfim reparar nas vestes do Homem. Começando pelos pés viu que possuía velhas botas, pretas e muito desgastadas. Uma calça de linho grosso e camisa do mesmo tecido igualmente preto e por fim um casaco roxo que lhe cobria até os joelhos. Seu rosto quase se perdia por trás de uns óculos escuros e possuía cabelos longos, ondulados e negros que lhe caíam sobre o resto da face. Tudo fora percebido rapidamente pois ele andava em sua direção, e depressa. Ao resto do tempo que lhe restara, criava coragem e percebia o ambiente em volta, ou pelo menos tentava. Era difícil distinguir se aquilo era uma cama ou uma mesa. Tudo muito mal iluminado por luzes bruxuleantes que se não fosse por tal situação, a confortariam profundamente. E ao contrário do que pensava que fossem tais porões, este era alto e amplo, mas que de alguma maneira lhe causavam um certo asco.
Finalmente ele a alcançara e mais uma vez ao tocar seu braço ela perdera todos os movimentos e sendo assim era conduzida a um dos cantos que lhe parecia ser o mais aquecido e deitou-a em um sofá estranhamente aconchegante. Por ali havia baldes cheias de argila e água e ao centro uma grande peça de mármore. Depositou sua bengala em um cabideiro mais além e novamente seguia em sua direção. Despia-a calma e cuidadosamente, até mesmo o grampo que prendia seus cabelos fora retirado, os deixando livres e sedosos sobre seus ombros e seios. Toda sua roupa fora depositada junto à bengala no cabide e agora ela sentia mãos firmes a tocarem.
Por muito tempo foi a única coisa que sentiu: as mãos do cego a perceber-lhe a pele. Agora ele ajeitava sua postura e sobre a peça de mármore modelava o corpo de tão bela mulher. Ela simplesmente se conservou ali. E essa mesma cena se repetia, dia após dia. Dela eram geradas belas esculturas e grandes sentimentos. O asco ou qualquer outro sentimento ruim desaparecia com o tempo. E assim foram se seguindo as semanas.
Houve uma tarde que por curiosidade forçou a porta que dava para a livraria, que surpreendentemente estava aberta. Arregalou os olhos e saiu. Atravessou a mesma livraria de quatro semanas atrás e passou três dias penosos em seu pequeno apartamento. A melancolia, trazia mais melancolia e na manhã do quarto dia, quando sentia que finalmente iria enlouquecer, voltou em direção à livraria, levantou o tapete vermelho e essa ação trouxe-lhe lágrimas. E assim foram os restos dos dias de sua curta vida. Sem falar, calada, assim como o homem que a possuía. Sem outros sentimentos senão aqueles que lhe traziam mais lágrimas.
E embaixo do tapete, naquele dia, havia apenas assoalho. Nada mais do que a continuação de longas toras de madeira que revestiam todo o chão daquela loja de esquina.
Abril/2004

Uma gota de sal

As narinas dilatam
Os lábios contraem-se
E a garganta guarda
De olhos abertos ou fechados
Liberta-se

Sinto o tesão mais puro
Quando ela se aloja
No ponto de mais pudor
Do meu pescoço
Oscilo em dissipá-la

Há também aquelas
Que seguem a trilha das rugas
E se deitam no canto da boca

E todas deixam
Seu rastro úmido
Através dos pêlos simiescos da face.