sexta-feira, 22 de junho de 2007

Fartura

Meu avô construiu prateleiras
Minha avó encheu-as de comida
Minha mãe enfileirou os livros

Hoje estão todos curvados
O avô, o trabalho
A avó, a família
A mãe, sabedoria

E eu, que fico
Colhendo os frutos
E olhando as prateleiras
Que mesmo vazias
Continuam como todos
Curvadas de tantas vidas
(imagine quantas histórias, filosofias e jantares em família!)

Essa é minha fartura
Minha herança melhor:
Nas latas e vidros,
A falta de fome.
Na outra gula,
A sobra de linhas.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Volteio

Tentei escrever política,
calmaria e Marte.
Descrever solistas,
peças e tardes.
Brincar de palavras
Cantar de frases

Mas no fim,
escrevi sobre Vênus.
Descrevi nervos,
medos e partes

Cantei para você meus ensaios
de romance,
de coxias
nos intervalos.

- Vamos ao show!
Agora! À tarde! -
Luzes brancas no palco, por favor!

domingo, 17 de junho de 2007

Sinta

E um arrepio...
Sinto-o caminhar por entre meus pêlos, peles e ossos.
Teus músculos se contraem pela dúvida dos meus. E meus lábios ensaiam o que pensei sentir e o que poderia balbuciar em tua orelha mal formada.
Em teus olhos profundos desejaria soprar minha raiva. Em tuas mãos caçadoras queria fazer-te um jantar.
E tua fronte transpira, teu olhar se apaga, tua língua seca e teu corpo treme. E nada em mim é diferente do teu.
Você amaldiçoa meus seios enquanto eu contemplo os teus. E eu penso no futuro enquanto você esquece o teu. Aí você está no céu, e eu racionalizo o Paraíso.
Por tudo isso tocou-se notas rubis pelas lágrimas e sons ensolarados pelo fim.
Aí sim, trepidam, esfolam, racham, explodem. Pelo fim.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Insistência

Insisto nessa loucura de falar com as flores
E seres
De contar que fostes
E sereis
De dançar nos campos
E ceres
De fingir que sou
E só

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Acetona

Por não conseguir dizer-lhe, escrevo
(e só tanto por causa disso que tenho escrito)
Escrevo para contar que a minha boca seca
Seca como vidro de acetona aberto
Aberta sem dizer palavra
Palavras que já versei
Inversa aos teus retratos
(e só retratos)
Trato mal feito entre nós dois
Os dias que te senti
Sentir na boca e saborear
Sabor febril do teu medo de amante
Amante. Distante
Ditante da minha poesia.