quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Alma diluída

Essa chuva que derrete tudo

Derrete o olho no rosto
que desce a tarde a olhar

Derrete o coração dos amantes
que sem piqueniques e bicicletas
não podem se encontrar

Nunca me acostumei com água caindo do céu
E nunca ninguém entendeu essa minha estranheza
- Eu acho que minhas palavras também liquefazem-se

E os sonhos derretidos
(a parar no sofá
e pensar no estar-aqui)
se tornam assim
mais maleáveis
mais possíveis

Tornam-se quase reais
se as gotas caem
como saliva tua
nos meus vãos
ou preenchem
o vazio das minhas mãos

E amanhã
ao sol nascente
ao calor crescente
a água ascendente
tudo vai se evaporar

E apesar desse modo
caber em todos os cantos,
os sonhos só parecerão me escapar
e gasosos ficarão meus encantos
e mais limpo ficará meu olhar.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Dias

Há dias que sou nula
Não amo ninguém
Deixo todos morrerem se dependerem de mim

E há dias que morreria por tantos
Que muito me querem mal
Morreria por poucos se preciso fosse
Morreria por algum deus

Hoje sou ímpar
E amo você
Minha mãe e meus irmãos
Minha gata
O menino que me ajudou a catar as coisas do estojo no pátio
E o sol
Nem deus nenhum nem a vida
Hoje eu não mataria.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Lençol amargo

Quando não devias dizê-las, pressa demais: dito.
Quando não devias fazê-las, raiva demais: feito.

Explica-me então, enquanto faço o arroz.
Mas não me resta paciência para ouvir mentiras. As mentiras têm estragado a comida com seu tempero amargo. Já bastam os pernilongos que zunindo vão nos lembrando, antes de nos deixar dormir, o que nos falta fazer para sermos felizes. E é no meio do zum-zum-zum que te lembro de pagar as contas. Que me lembras de depilar as pernas, que tanto te incomodam nesse nosso lençol de cetim, e dizer para o poeta que ele estava errado quanto ao amor.
(e te olho de novo)

Ele estaria certo?
Quando se está certo ainda é arrogância. É sim.